"Ele sabia onde ela morava, a via frequentemente saindo com o carro pela garagem, já havia até decorado a placa da atriz. O que ele não sabia é que ela, da janela do seu apartamento, reparava nele todo dia também, quando ele chegava no escritório em frente. Um moreno alto, não muito diferente de qualquer outro moreno alto.
Ele acompanhava a novela das oito que ela fazia, gostava do jeito que ela atuava, havia uma certa dignidade na escolha dos papéis, e imaginava que ela tinha diversos namorados. Ela, por sua vez, nada sabia dele, a não ser que era um homem como outro qualquer.
Um dia se cruzaram, ela saindo do prédio, ele chegando ao escritório, e por razão nenhuma se cumprimentaram. Duas vogais: oi.
Passaram semanas e um dia se abanaram, de longe. E longe permaneceram por outros tantos meses. A atriz famosa do prédio da frente. O cara do escritório do outro lado da rua. Era isso que eles eram um para o outro.
Não se sabe quem tomou a iniciativa, se foi ela que sorriu de um jeito mais insinuante ou se ele que acordou de manhã com o ímpeto de sair da rotina, apenas se sabe que um dia pararam na calçada para ir além das duas vogais, e ele teve a audácia de convidá-la para um café, e ela teve o desplante de aceitar.
Durante o café, ele soube que ela havia se separado recentemente, e ela soube que ele estava tentando arranjar coragem para encerrar uma relação desgastada. Ela tomou uma água mineral sem gás, ele, dois expressos, e ficaram de se falar.
No dia seguinte ele telefonou e comentou que ela havia dado a ele a coragem que faltava. O recado foi entendido, ela aceitou prontamente um convite para jantar, e desde então não pararam mais de se tocar e de se conhecer.Ela contou, entre lençóis, que trabalhar na tevê é uma profissão como as outras, que o estrelato é uma percepção do público e que no fundo ela era uma mulher quase banal. Ele contou, durante uma viagem que fizeram juntos, da relação que tinha com os avós, da importância deles na sua infância e em como seu passado de garoto do interior havia definido seu caráter. Ela contou, enquanto cozinhavam um macarrão, que havia sido uma menina bem gordinha e que implicavam muito com ela na escola. Ele contou, enquanto procurava uma música no rádio, que havia morado em Lisboa e que seu sonho era ser pai. Ela contou, enquanto penteava o cabelo dele, que às vezes chorava mais de felicidade do que de tristeza e que ainda não sabia o que dar a ele de aniversário. Ele contou, num dia em que assistiam a um filme no DVD, que ela ia rir mas era verdade: quando garoto, ele chegou a pensar em ser padre. Ela contou, enquanto retocava o esmalte, que já havia se atrevido a escrever poemas, mas eram horríveis. Ele pediu para ler. Um dia ela mostrou. Eram horríveis mesmo. Ele mostrou os versos dele. Não é que o safado escrevia bem?
Não chegaram a viver juntos como vivem todos os casais, mas também nunca mais ficaram separados por uma janela, por uma rua, por um silêncio interrogativo, por uma possibilidade remota. Havia acontecido. Ela para ele, nunca mais uma celebridade. Ele para ela, nunca mais um homem comum."
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
sábado, 22 de outubro de 2011
Então deve estar certo. Certo?
Ando com um sentimento de solidão, meio pra lá, meio pra cá. Não no sentido ruim de solidão. E existe sentido bom pra solidão? Olha que existe, menina. Na verdade, pra beirar a sinceridade, tá mais pra independência mesmo. Independência familiar, independência amorosa, independência de regras, de mandatos e pensamentos hipócritas.
Dentre tais independências, que são apenas algumas delas, foco aqui a amorosa. Declarei independência ao amor e não há quem prove o contrário. Não como uma revolta, apenas como uma aceitação. Fechei os olhos para o que tenho ansiado que dê certo, blindei meu coração suturado e desconcentrei as ideias que tanto traem. E ando tendo sucesso, não me importando, não pensando, não querendo. E tantos outros "nãos" que venho atuando no quesito paixão e que tenho obtido tanto êxito. Mesmo soando como um desespero para restauração interna, eu já passei dessa fase. Mas que todos esses outros "nãos" poderão se tornar "sim", é lógico. O que quer que o amanhã me traga, estarei de braços e olhos abertos. E estarei lá. Mas o amanhã terá de criar perninhas e vir até mim, porque eu vou viver na direção oposta. Bem, vamos brincar um pouco de esconde-esconde, então.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Pelo mundo.
Eu queria viajar. É, viajar. Pra onde? Pra qualquer lugar bem longe da minha rotina, dos meus afazeres, e até mesmo longe daquelas coisas que acontecem raramente pra quebrar as regras do dia-a-dia. Deixaria aqui minha família, meus amigos, meus estudos, as comidas que como e as roupas que tenho. Deixaria os problemas que não consigo resolver, as cicatrizes dos problemas bem e mau resolvidos e deixaria pela metade os que ando enfrentando. Deixaria o mau humor matinal, a academia com a Maria, o José e a Mariquinha da Silva; o ônibus lotado às 18 horas e as duas horas intermináveis de cursinho de matérias isoladas. Ah, o sol quente do meio dia, o trânsito infernal às 7 horas da manhã, as noites e madrugadas de estudos, as provas mal sucedidas e as aulas entediantes eu deixaria também. Fora os sentimentos guardados, apertados; contidos.
O que eu levaria, então? Meu sexto sentido feminino bem apurado, a personalidade que não me desfaço e a coragem de enfrentar um novo mundo. Lá, em um lugar muito, muito longe daqui, eu iria me preocupar com nada do que me preocupo aqui. Chegaria a ser semelhante, uma coisa ou outra, mas nunca, nunca igual. Eu não teria a mesma rotina. Viajaria todo fim de semana. Faria trilhas, dormiria em um dia solitário no último andar da minha residência, onde nem uma cama teria. Viveria amores passageiros, sairia de casa sem rumo durante uma tempestade e conheceria um hippie que quisesse me levar para suas aventuras diárias e imprevisíveis. Eu e minha grande bagagem. Eu e meu sexto sentido feminino, minha personalidade e minha coragem que residem na mochila que não me desgrudo.
Eu e eu mesma, pelo mundo.
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Stupid Cupid.
Dei férias de longa metragem para meu cupido. Que ele vá dar uma volta, voar entre as nuvens até o outro lado do mundo, que passe pela Itália e que olhe bem de pertinho os casais da terra dos apaixonados. Passe pela França também, onde, por mais que um pouco descortês, os casais juntam-se num jantar à luz de velas. Por Hollywood, se embrenhando pelas gravações das cenas das comédias românticas que invadirão nossas telinhas em alguns meses, e, definitivamente, por todo o resto do mundo. Por todo pedacinho do mundo que carregue amor verdadeiro, uma felicidade espontânea dividido a dois e muita consciência tranquila em relação ao outro.
Pois é, minhas lindas, dei as férias que todas nós queríamos, que é para que ele aprenda como realmente se faz. Mesmo sem saber onde logo o meu cupido foi aprender suas táticas e artimanhas, já bati o martelo. Se ele veio tão desprovido de conhecimento e pontaria, ensinarei a meu gosto, já que não posso mais carregar tantos furos de flechas mal atiradas.
E o melhor mesmo é que, enquanto ele está aperfeiçoando seus métodos com sua fraldinha e cabelinho enrolado, eu vou é me divertir por aqui. Sem medo de ter de adivinhar se aquele cara que conheci ontem na fila do supermercado possa ser o amor da minha vida, talvez? Isso mesmo, férias para ele e férias pra mim. Vou chutar o balde, meter o pé na jaca e me lambuzar como um porco na lama. No popular: me divertir com os errados. Com meus valores e moralidade intacta, vou esperar com um sorriso trivial a volta desse malandrinho.
E ai dele se não voltar com a pontaria certeira.
Parar de pensar.
"Você encontra uma lâmpada mágica no meio do deserto, dá uma esfregadinha e de dentro sai um gênio meio afetado, que concede a você a realização de um desejo. Humm... Você pediria um segundinho pra pensar? Eu não pensaria um segundo. Aliás, o meu desejo seria justamente este: por bem mais que um segundo, digamos que por dois dias, gostaria de parar de pensar. Parar totalmente de pensar. Ue, Saramago escreveu sobre um lugar em que as pessoas paravam de morrer. Salve a ficção, a casa de todos os delírios. Que tal, temporariamente, parar de pensar?
Eu acordaria e não pensaria em nada. Sendo assim, voltaria a dormir, sem mais despertar todo dia às seis da manhã, como sempre faço, pensando em mil tranqueiras e coisas a providenciar. Mas parar de pesar não impede a fome, então uma hora eu teria que levantar da cama e ir para a mesa - quem decidiu o cardápio? Aleluia, eu é que não fui. Não penso mais nessas coisas.
Abro o jornal, leio todas as matérias e não me ocorre nenhum pensamento tipo: "É pro bolso destes malandros que vai meu imposto", "Não acredito que fizeram isso com uma criança" ou "Caramba, como fui perder este show?". Eu não penso, portanto, não sofro.
Passo por um espelho e não dou a mínima para o que vejo. Espinhas, olheiras, cabelo fora de moda, danem-se. Moda, falei em moda? Era só o que me faltava ocupar meu cérebro com essas trivialidades.
Tudo vazio lá dentro, um descampado, um silêncio, o paraíso.
Você não pensa mais em como aumentar sua renda mensal, em como fazer seus filhos comerem melhor, em como arranjar tempo para deixar o carro na revisão, em como ajudar seus pais a atravessarem a velhice, em como não ser indelicada ao recusar um convite, em como ter coragem para chutar o balde, em como responder um e-mail irritante, em como esconder dos outros suas dores, em como arranjar tempo para ir ao médico, em como você tem medo de que as coisas nunca mudem, e, se mudarem, em como enfrentar. Você não precisa pensar em mais nada, você pediu ao gênio e ele, camarada, atendeu. Aproveite, são apenas dois dias.
Não precisa ter opinião sobre Lula, sobre o Alckmin, sobre a segurança do espaço aéreo, sobre a reviravolta do clima no planeta, sobre o último disco do Caetano, sobre o vídeo da Cicarelli, sobre os resultados do Brasileirão. Você está de férias de você. Não tem nem motivo para chorar. Seu amor se foi? Tudo bem. Você não pensa em rejeição, não pensa que ele tem outra, não pensa que vai surtar. Jogue fora os antidepressivos, não precisa nem mesmo passar creme antirrugas. Por dois dias, seu humor está neutro e suas rugas se foram. Esse seu olhar sereno, essa sua fala pausada... Nossa, sabia que você ficou até mais sexy?
Tudo isso é uma viagem sem sentido. Concordo. Mas vai dizer que, às vezes, acionar o pause no cérebro não lhe passa pela cabeça?"
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Exercita a paciência.
"Tenta achar que não é assim tão mal, exercita a paciência.", como manda as notas da cantora Pitty. E acredito piamente nesse trecho. Digo isso porque já costumei ser intensa, e em tudo, incluindo aqueles dramalhões femininos bem típicos. E bem, tente achar que não é assim tão mal, porque não é. Nada é tão mal se o mau humor está guardado em uma caixinha. Deixe que a caixinha se estrepe, que ela queira liberar esse humor que tudo escurece. Deixe que ela saltite pelo seu dia, que ela vire e remexa, mas não deixe que ela se abra. E aí sim tudo fica mais fácil, mais compreensível. E você verá o que é felicidade. É, essa felicidade mesmo que é sempre procurada por tanta gente e que ninguém aparentemente acha.
É tudo questão de humor, de como as coisas são encaradas. Olhe pra cima e veja mais que o céu azul de todo dia. Olhe para o lado e veja mais do que as mesmas pessoas fazendo as mesmas coisas. Não seja tedioso e tão severo com o dia-a-dia, essa rotina precisa acontecer para que sua quebra seja tão deliciosa quanto ela realmente é. Sem a menor pressa, faça uma coisa de cada vez. Não cobre demais, não espere demais e nem se irrite demais só porque o que você quer está demorando pra vir ou simplesmente não vai vir. Se vier, será tão sem-graça que desejará não ter esperado. Surpreenda-se todos os dias e aprenderá a ter paciência com o esperado. Se não deu certo, paciência, tente de novo. Até mesmo os que desistiram um dia quiseram terminar o começado.
sábado, 1 de outubro de 2011
Qualquer Um.
"Não há problema nenhum em ser exigente, em querer uma pessoa que seja especial. O que me deixa intrigada é que há mais probabilidade de você encontrar "qualquer um" do que um deus grego com um crachá escrito "Príncipe Encantado". Então me pergunto: as mulheres estarão dando chance para que este "qualquer um" demonstre que está longe de ser um qualquer?
Sou capaz de apostar que a maioria das mulheres, no primeiro papo, já elimina o candidato, e quase sempre por razões frívolas. Ou porque o sapato dele é medonho, ou porque ele não sabe quem é Roman Polanski, ou porque ele gosta de pizza de estrogonofe com banana, ou porque só gosta de comédia, ou porque ele mistura steinheger com cerveja, ou porque o carro dele é um carro do ano. Do ano de 1991.
Imagina se você, proveniente de uma família estruturada, criada dentro de padrões de bom gosto, com qualidades encantadoras, vai se envolver com esse... com esse... com esse sei lá quem.
Pois o "sei lá quem" pode ser, sim, aquele cara bacana que levará você para almoçar no domingo, mas você tem que dar uma mãozinha, minha linda. Recolha seus prejulgamentos, dê umas férias para seus preconceitos, deixe seu orgulho de lado e saia com ele três, quatro vezes, até ter certeza absoluta de que o sapato medonho vem acompanhado de um caráter medonho, de um mau humor medonho, de uma burrice medonha. Porque se o problema for só o sapato e a pizza de estrogonofe, isso dá-se um jeito depois, ele não há de ser tão inflexível.
Aliás, e você? Garanto que também não sai pela rua com uma camiseta anunciando "Mulher Maravilha". Ele também vai ter que descobrir o que há por trás de sua ficha estupenda, e vá que ele implique com as três dezenas de comprimidos que você ingere por dia, com sua recusa em molhar o cabelo no mar, com sua fixação por telefone ou com seus sutiãs do ano. Do ano de 1991 também.
Essa coisa chamada "história de amor" requer um certo tempo para ser construída, e as que dão certo são aquelas vividas com paciência, com espírito aberto, e geralmente com qualquer um que consiga romper nossas defesas e nos fazer feliz."
(Doidas e Santas - Martha Medeiros)
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