É incrível como, com apenas 10% de uso do cérebro, os seres humanos ainda conseguem se enganar. Robôs programados para sentir, independente de qual situação ou pessoa. Uma mente programada para causar sensações aos toques aqui e ali, um sorriso ao escutar uma determinada coisa, ou alguma coisa apertando o peito enquanto alguma outra coisa molhada transborda pelos olhos de vidro. Corpo de um silicone sensitivo, adepto ao que você foi programado para viver ao longo de sua estadia aonde quer que fosse. Olhos de vidros, bastante sensíveis, bastante transparente, onde aqueles que bem observam vê além do globo ocular cintilante em um azul ou um castanho escuríssimo. Nervos de borracha, programados para dar ainda mais emoção, mais realidade.
Tais protótipos, pelo seu criador, foi criado para sentir a mesma coisa. A unica coisa que varia de protótipo para protótipo seria o modo de como sentir. Mas todos eles têm o cérebro - massa inerte - focados para um sentimento no qual faria os pêlos implantados com cuidado na pele de silicone - quase real, defeitos imperceptíveis, dignos de passagem - se arrepiarem, provocando uma sensação quase gostosa. Aterrorizante, às vezes. Ou então tal sentimento faria algo funcionar mais rápido e numa intensidade que transmitiria a melhor das sensações. Assim desabrocharia um sorriso mecânico quase perfeito.
O nome disso seria "Felicidade". Não do sentimento, digo, mas do efeito. O nome do sentimento no qual todos tais protótipos estão programados pelo seu Criador se chamaria "Amor". - "Chamaria" mesmo, conjugado no futuro do pretérito do indicativo. Como todos os robôs já criados, estes têm defeitos. Defeitos dos mais variados, mas o sentimento, aquele tão sublime e quase real para um bando de lata coberta de silicone, sofreu alterações. Alterações que transformaram-no em um protótipo de Amor. Um Amor personalizado.
Tal catástrofe robótica causou um pandemônio eletromagnético, no qual o próprio Criador, aquele que conectou cada fio com cuidado, cada saturação, cada sentimento, se viu com as mãos na cabeça. Seus queridos protótipos de vida humana moldava seu Amor do jeito que queria. O resultado foi que a sensação de coisas, todas elas conectadas, embaraçadas e sincronizadas, aconteciam no contexto errado. No contexto temido pelo Criador que, com uma certa paciência sobrenatural, tenta concertar. Aquilo que é derramado pelos globos de vidros, aquilo que é acionado quando há felicidade demais transbordando dentro de todo aquele metal, começou a escoar mais livremente, mais intensamente. Dessa vez, porém, a sensação de algo palpitando dentro de si, que era boa, se transformou num aperto. Um aperto que, se não tivesse sido saturado com tanto carinho, já teria arrancado aquilo que machucava. Um protótipo pisando no Amor do outro, sorrisos causados por choros. Tudo trocado, tudo invertido, um verdadeiro pandemônio. Um salve-se quem puder.
Apresento-lhes então os meus seres humanos. Protótipos de robôs programados para amar, que, talvez por um defeito gerado pelo tempo, possuíram uma desfiguração eletrônica irreversível.
Um verdadeiro salve-se quem puder.